« Em épocas que a
juventude (não tenho nada contra eles), junta-se em grupos à procura de
Pokémon's, cá pelo nosso país, vou contar-vos uma história, cuja a personagem feminina,
passou-se no México, diferente, mas que serve para que descemos à terra e tornemo-nos
reais, palpáveis, de aquilo que pode acontecer e faço votos que não veja, mas,
pelo silêncio em casa quando visito e ou com a pressa dos miúdos em pisgarem-se
para o quarto verem a TV' já não me admira!...»
Já não sei em que dia estamos. Lá em casa não há calendários e,
na minha memória, as datas estão todas misturadas.
Recordo-me
daquelas folhinhas grandes, uns primores, ilustradas com imagens dos santos que
colocávamos no lado da penteadeira. Já não há nada disso. Todas as coisas
antigas foram desaparecendo.
E sem que
ninguém desse conta, eu fui-me apagando também…
Primeiro
trocaram-me de quarto, pois a família cresceu.
Depois
passaram-me para outro lado menor com a companhia das minhas bisnetas.
Agora ocupo uma
água-furtada, que está no pátio de trás. Prometeram trocar o vidro quebrado da
janela, porem esqueceram-se e todas as noites por ali circula um ar gelado que
aumenta as minhas dores reumáticas. Mas tudo bem…
Desde há muito
tempo que tinha a intenção de escrever, porém passava semanas procurando um
lápis. E quando o encontrava, eu mesmo voltava a esquecer onde o tinha posto.
Na minha idade as coisas se perdem facilmente: claro, não é uma enfermidade
delas, das coisas, porque estou segura de tê-las, porém sempre desaparecem.
Noutra tarde dei-me conta que a minha voz também tinha desaparecido. Quando eu falo com os meus netos ou com os meus filhos não me respondem. Todos falam sem me olhar, como se eu não estivesse com eles, escutando atenta o que dizem.
Às vezes intervenho na conversação,
segura de que o que lhes vou dizer não ocorra a nenhum deles e, de que lhes vai
ser de grande utilidade. Porém, não me ouvem, não me olham, não me respondem.
Então cheio de
tristeza retiro-me para o meu quarto e vou beber a minha xicara de café. E faço
assim, de prepósito, para que compreendam que estou aborrecida, para que se
deem conta de que me entristecem e venham buscar-me e me peçam perdão… Porém
ninguém vem…
Quando o meu genro ficou doente, pensei ter a oportunidade de ser-lhe útil, levei-lhe um chá especial que eu mesmo preparei. Coloquei-o na mesinha e sentei-me a esperar que o tomasse, só que ele estava vendo televisão e nem um só movimento me indicou que se dera conta da minha presença. O chá pouco a pouco foi esfriando… e junto com ele, meu coração….
Então noutro dia
disse-lhes que quando eu morresse todos iriam arrepender-se.
Meu neto mais
novo disse: “Ainda estás viva vovó?”.
Eles tanta
graça, que não pararam de rir. Três dias estive chorando no meu quarto, até que
numa manhã entrou um dos rapazes para retirar umas rodas velhas e nem o bom dia
me deu.
Foi então quando me convenci de que sou invisível…
Parei no meio da sala para ver, se me tornando um estorvo me olhavam. Porém, a minha filha seguiu varrendo sem me tocar, os meninos correram à minha volta, de um lado para o outro, sem tropeçar em mim.
Um dia os
meninos agitaram-se e, vieram-me dizer que no dia seguinte nós iríamos todos um
dia no campo. Fiquei muito contente. Fazia tanto tempo que não saía e mais
ainda ia ao campo!
No sábado fui a
primeira a levantar-me. Quis arrumar as coisas com calma. Nós os velhos
tardamos muito em fazer qualquer coisa, assim adiantei meu tempo para não os
atrasar.
Rápido entravam
e saíam da casa correndo e levavam as bolsas e brinquedos para o carro. Eu já
estava pronta e muito alegre, permaneci no saguão a esperá-los.
Quando me dei
conta eles já tinham partido e o carro desapareceu envolto em algazarra,
compreendi que eu não estava convidada, talvez porque não coubesse no carro…
…Ou porque os
meus passos tão lentos impediriam que todos os demais caminhassem a seu gosto
pelo bosque. Senti claro como o meu coração se encolheu e a minha face ficou
tremendo como quando a gente tem que engolir a vontade de chorar.
Eu entendo-os, eles vivem o mundo deles. Reem, gritam, sonham, choram, abraçam-se, beijam-se. E eu já nem sinto o gosto de um beijo.
Antes beijava os
pequeninos, era um prazer enorme tê-los em meus braços, como se fossem meus.
Sentia a sua tenrinha e a sua respiração doce bem perto de mim. A vida nova
produzia-me um alento e até me dava vontade de cantar canções que nunca
acreditara lembrar-me.
Porem, um dia a
minha neta Laura, que estava de ter um bebê disse que não era bom que os
anciãos beijassem os bebês, por questões de saúde…
Desde então já
não me aproximei deles, não quero passar-lhes algo mau por minhas imprudências.
Tenho tanto medo de contagia-los!
Eu bendigo-os todos e perdoo-lhes, porque…
Artigo: por Silvia Peral *
* Cidade do México
Sem comentários:
Enviar um comentário