domingo, 29 de dezembro de 2013

Terceiro compromisso e maior desafio: o AMOR!

3 – Terceiro compromisso e maior desafio: o AMOR!

- Chamamos a S. Vicente “O pai dos Pobres”, “O Santo da Caridade”… Nada que a própria Igreja não tenha assumido oficialmente. Na verdade, foi o Papa Leão XIII que, em 1885, declarou o nosso Santo como “Padroeiro de todas as obras de Caridade da igreja”.
- Recordo Raoul Fallereau – o grande apóstolo dos leprosos e o seu testemunho sobre Ozanam: “quem é Ozanam? Um homem de Deus ao serviço dos seus irmãos, a ilustração humilde e perturbadora do Evangelho, um jovem de 20 anos que tem o rosto da eternidade”. Tudo isto na melhor linha do evangelho em que jesus resume “ toda a lei e os profetas” no mandato do Amor, como grande herança para nós, os seus discípulos. Na peugada de S. Vicente de Paulo, também o bem-aventurado Ozanam não gastou muito tempo a analisar quem era o homem que estava ferido à beira do caminho. Se o fizesse demasiado cientificamente, correria o risco de ficar-se em discussão empolgantes, muito ao jeito do tempo, em vez de tentar curar, no imediato, o homem caído. Como o samaritano da parábola. Ozanam inclina-se simplesmente para o pobre, trata-o não como um estrangeiro, mas como “próximo” e irmão. Escutemo-lo: “Muitos espíritos e até cristãos cometeram o erro de levar a paixão pela justiça até ao esquecimento da caridade e de se ocuparem mais em negócios e perigos do que em obras e sacrifícios. A política só tem em conta a justiça e, como a espada que a simboliza, fere, corta e divide… A caridade, ao contrário, tem em conta as fraquezas. Cicatriza, reconcilia, une. Por certo que a política tem o seu lugar e o seu tempo na sociedade cristã, mas a caridade é de todos os lugares e de todos os tempos…” Como sentimos, nos tempos que correm, esses três verbos atribuídos à política e à justiça sem amor: “fere, corta, divide”. Por outro lado, o Amor, a Caridade ao jeito de Jesus “cicatriza, reconcilia, une” …

- E nós, irmãos? É evidente que facilmente vamos afirmando a centralidade do amor, na fidelidade a Jesus que resumiu toda a Lei e Profetas na vivência do amor em três direcções: Deus, os outros, nós próprios. No entanto e para terminar, gostava de anotar algumas vertentes da Caridade/Amor que não poderemos olvidar:

• O sentido de organização. Na melhor tradição vicentina, exercício da caridade requer uma orgânica. Os grupos vicentinos devem primar pela ordem, em visita dum serviço de qualidade.

• Uma cooperação aberta. A nível da Família Vicentina, toca-nos colocar os mais pobres como centro, qualquer que seja a sua idade, religião, nacionalidade, cor política, etc… Por outro lado, é urgente que os Vicentinos deste tempo saibamos colaborar e pedir colaboração a todas as organizações que prestam verdadeiro serviço às pessoas, especialmente aos mais necessitados.

• Finalmente, o serviço de universalidade. Inseridos no mundo e na Igreja de hoje, é importante que juntemos o carácter democrático (que tem a ver com a aceitação das diferenças) a essas atitudes tão sadia e tão adulta de quem olha o outro, qualquer que seja a sua nacionalidade ou cultura, qualquer que seja a sua raça e idade, acima de tudo, como irmão e como irmã… Até aqui nos conduzirá o verdadeiro amor cristão. Até aqui nos levará o carisma vicentino…

Termino com as palavras estimulantes e desafiantes de João Paulo II aos Missionários Vicentinos, há alguns anos atrás (Assembleia de 1998). Palavras que bem podiam ser ditas, aqui e agora, a cada um de nós: “Queridos filhos e filhas; hoje, mais do que nunca, procurai com audácia, humildade e competência, as causas da pobreza competência, as causas da pobreza e procurai soluções a curto e longo prazo, soluções efectivas, flexíveis e concretas. Ao fazê-lo, cooperais para a credibilidade do evangelho e da Igreja.”

ß Meditação no encerramento
do bicentenário do nascimento

de Frederico Ozanam

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Segundo Compromisso: A mudança sistémica

2 – Segundo compromisso: a mudança sistémica

- Na base desta mudança de sistema, está um profundo respeito por toda a pessoa humana, na melhor linha do Ministério da Encarnação: desde o momento, em que Jesus se fez homem, o ser homem ou mulher é algo de empolgante e grandioso! Esta atenção por toda a pessoa intensifica-se na relação com os mais pobres e abandonados, já que são os membros mais frágeis e menos apresentáveis do Corpo de Jesus cristo. Não resisto a citar esse texto clássico de São Vicente: «Não devo considerar um pobre camponês ou uma pobre mulher, do exterior, nem segundo o que transparece da capacidade do seu espírito; tanto mais que, muitas vezes, quase nem sequer têm aspecto nem espírito de pessoas racionais, a tal ponto são grosseiras e terrenos. Voltai, porém, a medalha, e vereis, na luz da fé, que o filho de Deus, que quis ser pobre, nos é representado por estes pobres». (XI, 32).
- Quando Frederico Ozanam aborda os problemas graves das famílias pobres, não aceita que a sua pobreza se resolva apenas dando esmolas. Desafia os seus confrades e contemporâneos católicos a que olhem para as estruturas opressoras que são causadas da pobreza. Enquanto os políticos discutem maneiras de aliviar o sofrimento causado pelas situações de pobreza ou de miséria, Ozanam chama ardentemente a atenção para as causas dessa mesma miséria. Por outro lado, e apoiado no cristo do evangelho que escolheu gente simples para formar o primeiro grupo apostólico, o nossos bem-aventurado sabe colocar os mais pobres como fonte de inspiração. Na linha de vicente de Paulo que ia repetindo que «os pobres nos evangelizam», Ozanam escrevia em carta a Ernest Falconnet: «Tantas vezes sobrecarregado por um pesar interior, preocupado com a minha saúde periclitante, entrei, cheio de tristeza, na casa de um pobre confiado aos meus cuidados; e aí, à vista de tantos desafortunados, mais dignos de dó do que eu, censurei o meu próprio desencorajamento; senti-me mais forte contra a dor e agradeci a esse infeliz que me consolou e fortaleceu só com a visão de seus pobres sofrimentos».


- E nós, irmãos? Comprometemos os pobres na sua própria caminhada: identificação das necessidades, planificação, busca de soluções verdadeiramente humanas e cristãs, revisão de todo o processo?... Ou costumamos seguir o caminho mais cómodo e paternalista, de quem dá uma esmola, no intuito de calar algum sentimento de culpa ou por descargo de consciência? No fundo muito no fundo, é importante que nos perguntemos se já realizamos dentro de nós e em nossos grupos essa mudança essencial, que tem a ver com o Evangelho e com a nossa opção vicentina, segundo a qual o Reino de Deus é para todos, mas os mais abandonados têm lugar privilegiado à «Mesa do Reino». Para que tudo isto não fique em teorias, é necessários que os mais pobres venham, mesmo fisicamente, à mesa das nossas reflexões e projectos, para que sejam verdadeiramente senhores do próprio destino… Utopia? Talvez! Mas quem não sonha já morreu espiritualmente.!...  

sábado, 21 de dezembro de 2013

Da memória ao compromisso (Lisboa, 27/10/2013)

Chegados ao fim das celebrações do bicentenário do nascimento do Bem-aventurado Frederico Ozanam, não vou deter-me em aspectos certamente muito reflectidos durante este ano jubilar, como sejam as notas biográficas do nosso bem-aventurado, a sua dimensão académica e familiar, a fundação da SSVP... Vou fixar-me apenas em três aspectos - uma espécie de propósitos em final de ano jubilar - que me parecem ter muito a ver com o carisma vicentino no hoje, na linha de Frederico Ozanam e na melhor tradição vicentina. Assim:

1 - Primeiro compromisso: olhos abertos, coração aberto
- Frederico Ozanam, seguindo o seu mestre espiritual Vicente de Paulo, tem um olhar cada vez mais profundo sobre a realidade e, muito especialmente, sobre o pobre, na linha desse olhar terno e compassivo de Jesus Cristo: "Olhando-o a todos em volta, disse-lhe: estende a tua mão." (Lc. 6, 10). " Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele". (Mc. 10,21).
- Frederico Ozanam é alguém que não fecha os olhos à realidade. Em carta a Louis Janmot, expressa a importância de ver, de tocar, de respeitar os mais feridos e abandonados da história. Escutemos:
" Se não sabemos amar a Deus como os santos o amavam é, sem dúvida, porque não vemos a Deus senão com os olhos da fé; e a nossa fé é tão fraca! Mas aos homens, aos pobres, vemo-los com os olhos da carne. Eles estão aí: podemos pôr a seus pés e dizer-lhes como apóstolos: Vós sois as imagens os vossos servos. Sois as imagens visíveis desse Deus que não vemos mas que acreditamos amar, amando-vos".
Foi em atenção à realidade dos mais pobres e aceitando o desafio dum sansimoniano que acusava, perguntando "que está a fazer a tua igreja hoje"... foi em atenção a tudo isto que, de olhos abertos e disposto a sujar as mãos na realidade nua e crua das grandes pobrezas, Frtederico Ozanam e esse primeiro grupo entrou pelo caminho da acção concreta. O mesmo olhar sobre a realidade que levou o nosso bem-aventurado, consciente dos problemas dos estudantes católicos no meio parisiense, a pedir ao arcebispo de Paris que nomeasse como pregador de Notre Dame um padre capaz de sintonizar com as camadas jovens estudantes.

- E nós, irmãos? O desafio é, antes de mais, situarmo-nos no mundo que nos cerca... Não vale viver de paraísos passados nem de recriminações permanentes e doentias quando ao que vai acontecendo hoje. É urgente que vivamos aquilo que alguns autores chamaram a "espiritualidade do acontecimento", e que caracterizou Vicente de Paulo. Dentro deste processo criativo e eficaz a primeira atitude é olhar a ver. Importa não fazer como aquelas que passam pelo velho do jardim, na canção da Mafalda Veiga: "Sabes, eu acho que todos fogem de ti, para não ver a imagem da solidão que irão viver, quando forem como tu um velho sentado num jardim". Não vale olhar para o lado, fazendo de conta que não se vê. Logo depois de olhar e ver é necessário perceber a mensagem que tal facto, mais positivo ou mais negativo, nos transmite. Na verdade, Deus fala no acontecimento! Finalmente, é necessário agir em conformidade, sem ficar à porta do medo ou da maledicência.