sábado, 21 de dezembro de 2013

Da memória ao compromisso (Lisboa, 27/10/2013)

Chegados ao fim das celebrações do bicentenário do nascimento do Bem-aventurado Frederico Ozanam, não vou deter-me em aspectos certamente muito reflectidos durante este ano jubilar, como sejam as notas biográficas do nosso bem-aventurado, a sua dimensão académica e familiar, a fundação da SSVP... Vou fixar-me apenas em três aspectos - uma espécie de propósitos em final de ano jubilar - que me parecem ter muito a ver com o carisma vicentino no hoje, na linha de Frederico Ozanam e na melhor tradição vicentina. Assim:

1 - Primeiro compromisso: olhos abertos, coração aberto
- Frederico Ozanam, seguindo o seu mestre espiritual Vicente de Paulo, tem um olhar cada vez mais profundo sobre a realidade e, muito especialmente, sobre o pobre, na linha desse olhar terno e compassivo de Jesus Cristo: "Olhando-o a todos em volta, disse-lhe: estende a tua mão." (Lc. 6, 10). " Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele". (Mc. 10,21).
- Frederico Ozanam é alguém que não fecha os olhos à realidade. Em carta a Louis Janmot, expressa a importância de ver, de tocar, de respeitar os mais feridos e abandonados da história. Escutemos:
" Se não sabemos amar a Deus como os santos o amavam é, sem dúvida, porque não vemos a Deus senão com os olhos da fé; e a nossa fé é tão fraca! Mas aos homens, aos pobres, vemo-los com os olhos da carne. Eles estão aí: podemos pôr a seus pés e dizer-lhes como apóstolos: Vós sois as imagens os vossos servos. Sois as imagens visíveis desse Deus que não vemos mas que acreditamos amar, amando-vos".
Foi em atenção à realidade dos mais pobres e aceitando o desafio dum sansimoniano que acusava, perguntando "que está a fazer a tua igreja hoje"... foi em atenção a tudo isto que, de olhos abertos e disposto a sujar as mãos na realidade nua e crua das grandes pobrezas, Frtederico Ozanam e esse primeiro grupo entrou pelo caminho da acção concreta. O mesmo olhar sobre a realidade que levou o nosso bem-aventurado, consciente dos problemas dos estudantes católicos no meio parisiense, a pedir ao arcebispo de Paris que nomeasse como pregador de Notre Dame um padre capaz de sintonizar com as camadas jovens estudantes.

- E nós, irmãos? O desafio é, antes de mais, situarmo-nos no mundo que nos cerca... Não vale viver de paraísos passados nem de recriminações permanentes e doentias quando ao que vai acontecendo hoje. É urgente que vivamos aquilo que alguns autores chamaram a "espiritualidade do acontecimento", e que caracterizou Vicente de Paulo. Dentro deste processo criativo e eficaz a primeira atitude é olhar a ver. Importa não fazer como aquelas que passam pelo velho do jardim, na canção da Mafalda Veiga: "Sabes, eu acho que todos fogem de ti, para não ver a imagem da solidão que irão viver, quando forem como tu um velho sentado num jardim". Não vale olhar para o lado, fazendo de conta que não se vê. Logo depois de olhar e ver é necessário perceber a mensagem que tal facto, mais positivo ou mais negativo, nos transmite. Na verdade, Deus fala no acontecimento! Finalmente, é necessário agir em conformidade, sem ficar à porta do medo ou da maledicência.

Sem comentários:

Enviar um comentário