domingo, 22 de outubro de 2017

Proposta Papa Francisco aos vicentinos

Adorar, acolher e ir é proposta do Papa aos vicentinos

O Santo Padre, Papa Francisco, falou aos vicentinos, através daqueles que no passado dia 14 de outubro se encontravam em Roma a participar numa importante assembleia, promovida pela Família Vicentina.
O Papa Francisco encorajou os milhares de vicentinos presentes "a continuar no caminho da caridade gerado por S. Vicente de Paulo" e centrou a sua intervenção em três verbos: "Adorar", "Acolher" e "Ir".

Adorar segundo Vicente de Paulo que fazia da oração a sua bússola de cada dia. "Adorar é pôr-se diante de Deus, com respeito, com calma e no silêncio, dando-lhe o primeiro lugar, abandonando-se com confiança". Esta abertura ao outro, é de acordo com o que disse o Papa, o que conduz ao verbo "acolher".

Acolher "é redimensionar-se a si próprio, endireitar o próprio modo de pensar, compreender que a vida não é minha propriedade privada e que o tempo não me pertence. Quem acolher renuncia ao EU e faz entrar na vida o TU e o NÓS". "O cristão acolhedor é um verdadeiro dom para a Igreja, porque a Igreja é Mãe e uma mãe acolhe a vida e a acompanha.". "Quem acolhe sem se lamentar é um filho realmente fiel à Igreja capaz de criar concórdia e comunhão e com generosidade semear a paz".

IR. O Papa falou da vocação do "Ir": "Vou ao encontro dos outros como quer o Senhor, levo este fogo da caridade ou fico fechado a aquecer à frente da lareira?"
O Santo Padre agradeceu aos Vicentinos por ser um movimento que percorre os caminhos do mundo e encorajou-os mais uma vez nesta caminhada, na adoração quotidiana do amor de Deus e a difundir esse amor pelo Mundo através da caridade, disponibilidade e concórdia, abençoando todos os que fazem parte do movimento vicentino e aos pobres que assistem.
É um assunto para reflexão e interiorização de todos nós.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Não amemos com palavras mas com obras

«Não amemos com palavras, mas com obras»
«Do Papa Francisco»

     Graças ao Senhor, muitas pessoas se encontram com Fé viva por meio da SSVP. É para nós Sociedade, louvor a Deus a confirmação que o caminho que percorremos está certo.
      Amar o pobre é o mesmo que como se ama a Deus e através dele, protegemos os mais fracos e desprotegidos. Todos sabemos que a caridade se faz dia-a-dia, mesmo que façamos estes dias de férias vicentinas como lhe querem rotular ao descanso. Mas Deus sabe bem o que faz, como «fez a SVP», deu-nos as voltas e lá estivemos a apoiar uma pessoa que pelo seu aspeto fisicamente um calmeirão, na casa dos 40 anos, mas diminuído moralmente e fisicamente pois parece uma pessoa na casa dos 60. Diminuído moralmente; porque ele como desabafo deixou-me um Apelo: «por favor ligue-me pois não tem ninguém como quem falar…» Diminuído fisicamente; porque foi-lhe amputado uma perna e como tal sente-se diminuído, deprimido, sobre a falta de um membro e perante os olhares dos outros. Ele olha para nós não de frente, mas de cabisbaixo… 
    O Para Francisco irá celebrar no próximo dia 19 novembro, instituído pela Carta Apostólica «Misericórdia et Misera» o “1.º Dia Mundial do Pobre”. Esperamos que ao ser instituído este dia seja marcante para toda a Igreja onde fazemos parte, um marco histórico para todos os cristão e sociedade civil.
    A convite do Papa Francisco fez apelo para que guardemos esse dia dedicado inteiramente aos nossos pobres, com muitos momentos de oração, convívio, solidariedade e “ajuda concreta”.
     O Domingo é dia do Senhor, por isso guarda esse dia para a Amar a Deus não através dos Pobres, mas com os Pobres. Será aqui, que debato com estas poucas palavra como reflexão, deixo a todos.
«por favor ligue-me para ter com quem falar!»
     É com esta frase como reflexão, vamos pensar um pouco nesta frase e pô-la em Obras de Caridade, no dia-a-dia e que não nos passe ao lado estes apelos semelhantes. Temos reafirmado que nas Obras que praticamos como vicentinos é no caminho que fazemos ao lado do Pobres, na visita, no viver um pouco as suas dores, é pratica da caridade, que fazemos o que os outros não sabem fazer: é substituirmos o estado do seu lugar, que não têm capacidade de saber. Amar. Um governo é uma instituição de homens frios, sem coração, sem alma. Como podemos entregar as nossas almas dos nossos pobres a pessoas sem rosto, e frias que se escondem nos gabinetes!
      Por último reforço o apelo feito (vêr o BP páginas 2 ao 7), o apelo do Papa dirigida aos irmãos; bispos, aos sacerdotes, aos diáconos – que, por vocação, têm a missão de apoiar os pobres – às pessoas consagradas, às associações, aos movimentos e ao vasto mundo do voluntariado, peço que se «comprometam para que, com este Dia Mundial dos Pobres», se instaure uma tradição que seja contribuição concreta para a evangelização no mundo contemporâneo.     

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Conferência Vicentina de São Vicente de Paulo

Conferência de São Vicente de Paulo
São Cristóvão de Mafamude
111 Anos
SSVP-SOCIEDADE DE SÃO VICENTE DE PAULO
Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP), também conhecida por Conferências de São Vicente de Paulo ou Conferências Vicentinas, é um movimento católico de leigos que se dedica, sob o influxo da justiça e da caridade, à realização de iniciativas destinadas a aliviar o sofrimento do próximo, em particular os sociais e economicamente mais desfavorecidos, mediante o trabalho coordenado de seus membros.
História institucional.

A organização foi fundada em Paris a 23 de Abril de 1833, por um grupo de sete jovens universitários liderados por Frédéric Antoine Ozanam (1813-1853), estudante de Direito na Universidade de Sorbonne, um jovem na época com apenas 20 anos de idade. A organização adotou São Vicente de Paulo (1581-1660) como patrono, inspirando-se no pensamento e na obra daquele santo, conhecido como o Pai da Caridade pela sua dedicação ao serviço dos pobres e dos infelizes.
O lema da organização assenta na frase de São Vicente de Paulo:
A caridade é inventiva até ao infinito.
 
Os fundadores foram:
• Antônio Frederico Ozanam (1813-1853)
• Auguste Le Tailladier (1811-1886)
• François Lallier (1814-1887)
• Paul Lamache (1810-1892)
• Félix Clavé (1811-1853)
• Jules Devaux (1811-1881)
• Emmanuel Bailly (1794-1861)

A MISSÃO VICENTINA:
Desde a simples oferta de «umas achas de lenha» - oferta inicial de Ozanam às famílias que primeiro visitou em Paris - às ofertas de roupa, livros, medicamentos, ajuda na procura de empregos e internamentos, visitas a lares, hospitais, cadeias, ou à fundação das chamadas «obras especiais» (colabora com outras obras especializadas, religiosas e civis na sua área concelhia), a ação vicentina procura ser a resposta oportuna para cada situação de sofrimento ou pobreza que se deteta - resposta mais ou menos imediata, ou de simples encaminhamento das situações mais difíceis para as vias possíveis de resolução,(respeitando os princípios da Sociedade da não violação ao sigilo), inquietando consciências indiferentes, apesar de responsáveis, mas com possibilidade de resposta às situações de pobreza e sofrimento.

A ação vicentina preocupa-se com a promoção do homem na sociedade através de um sentimento de afeto e respeito pela dignidade de cada pessoa, da oferta de amor, a que todos têm direito, da compreensão e recetividade a uma confidência ou a um desabafo, um conselho com uma palavra amiga, um olhar carinhoso, motivos de fé e de esperança.

O Vicentino:
VIVE o Evangelho através de uma aspiração de vida mais evangélica.
DETECTA e serve diretamente as várias situações de pobreza, vivendo uma espiritualidade Cristã, à maneira de Vicente de Paulo e de Frederico Ozanam.
REVELA Cristo. O Cristo que serviu e amou a todos, principalmente os mais pobres.
OFERECE um testemunho de fé, mais por obras que por palavras em todo o contacto pessoal, numa mútua santificação.
COMPROMETE-SE a cumprir a Regra da S.S.V.P., que define a vocação e missão de Sociedade de São Vicente de Paulo.

A espiritualidade vicentina:
A espiritualidade cristã revelada por Cristo como evangelizador dos pobres, é a espiritualidade cristã vivida por São Vicente de Paulo que nos faz entender e conhecer o «Cristo Vicentino», aquele Cristo que «caminhou e trabalhou como nós». Aquele Cristo sem ceptro e sem coroa, que não está sentado sobre o globo, que suportou o peso da cruz de todos os que sofrem, de todos que pecam, de todos que são pobres... e ressuscitou para nos oferecer a Esperança. Espiritualidade Vicentina na: Simplicidade Humildade -Mansidão - Mortificação e Zelo Apostólico, é a espiritualidade que levou Ozanam a criar as Conferências de São Vicente de Paulo que colocam cristãos-leigos em permanente disponibilidade para aliviar o sofrimento e a pobreza, despertando a vocação e missão da Sociedade de São Vicente de Paulo.

AMAR E SERVIR A DEUS, AMANDO E SERVINDO DIRECTAMENTE OS POBRES. 


CONFERÊNCIA VICENTINA DE SÃO CRISTÓVÃO DE MAFAMUDE (V. N. GAIA)
A Conferência de S. Vicente de Paulo de São Cristóvão de (Mafamude) foi fundada no ano 1905 e em 09 de julho de 1906 conforme registo atribuída a carta de agregação.
Atualmente conta com 11 elementos no ativo e 2 vicentinos beneméritos. 

Reúne-se trimestralmente às sextas-feiras na 2ª e 3 semana de cada mês.
Fiel ao espírito dos seus fundadores, a Conferência esforça-se por se renovar sem cessar e por se adaptar às condições de mudança dos tempos. A nossa missão é estarmos sempre abertos às mutações da humanidade e às novas formas de pobreza que se possa identificar ou pressentir. Damos prioridade aos mais desfavorecidos e especialmente aos rejeitados pela sociedade. Tem sido uma missão árdua, pois infelizmente com os problemas financeiros que o país atravessa, cada vez mais surgem novos casos que necessitam de intervenção urgente. No entanto, temos conseguido chegar a todas as pessoas necessitadas e auxiliado no que mais precisam.

Atualmente este grupo de caridade vive de doações das pessoas da comunidade, de benfeitores que colaboram com dinheiro e com peditórios na paróquia, etc. A vocação dos membros da Sociedade, chamados Vicentinos é seguir Jesus Cristo servindo aqueles que precisam e, desta forma, dar testemunho do seu amor libertador, cheio de ternura e compaixão. Os confrades mostram a sua entrega mediante na visita ao domicilio no contacto pessoa-a-pessoa. O Vicentino serve com Esperança.

domingo, 2 de julho de 2017

O que sou hoje como Vicentino!

O que sou hoje como vicentino!

            No percurso do caminho como vicentino terei que recuar no tempo dos anos 60, na cidade do Porto, numa freguesia da Beira-Rio, de gentes que dedicava a sua vida a trabalhar como estivadores em carga e descargas de carvão, do bacalhau e os Barcos Rebelos que descarregavam nos Cais da Ribeira o Vinhos do Porto. Hoje os tempos são outros, outras vidas, hoje vive-se do turismo e de hotéis.
          Eu ainda jovem, recebi um convite para ir a uma reunião de vicentinos em São Nicolau, às terças-feiras. Lá fui nem sequer sabia em que me ia meter… Mas fui. Os meus primeiros passos como vicentino, aos 17 anos, foi passar a assistir a umas reuniões, depois pediram-me para fazer umas visitas a casa de pessoas “Os Pobres”.  Logo ensinaram-me que na missão de um vicentino nunca devia dizer a palavra “NÃO”, a não ser por motivos fortes pois ajudar uns pobres, os servir a Deus através deles.
          Os meus primeiros trabalhos como vicentino, passou na marginal da Foz do Douro na recolha de roupas, mobiliário entre outras, para o Farrapeiro. Depois percorri as ruas da paroquia: - Mercadores, Reboleira, o Cais da Ribeira, Av. Gustavo Eiffel e o Bairro do Barredo. Nas minhas deslocações que fazia estava longe de pensar que para “Ser Vicentino” passava pelas visitas ao domicílio, pensava eu, que era uma intromissão nas suas vidas privadas, mas na caminhada percebi que o fazer a “Visita ao domicílio estava o “chamamento de Deus” no serviço ao pobre, ir “cheirar” a pobreza, estava ali a Caridade.
          Muitas vezes a Conferência (como era pobre) o nosso pároco, graças a Deus hoje ainda vivo, (nos deixava fazer um peditório num dos ofertórios de uma das missas) e com algumas ajudas lá conseguíamos orientar as contas que, quase sempre a zero. Nesse tempo, recordo que o nosso assistente espiritual, nos dizia com esta frase: «Que não seja por falta de dinheiro que deixemos de fazer a Caridade». Às minhas visitas, algumas vezes não levava nenhuma saca com alimentos, não havia nessa altura abundância, levava a minha visita como jovem, a conversa e sei que a partir de determinada altura senti, que já não dava ir a casa de um pobre sem levar alguma coisa para eles comerem, partilhar. Pensei então; tenho que levar alguma coisita comigo. Estávamos nos anos 60 ao visitar uma família senti um vazio que pairava no ar pois no atendimento quando cheguei, reparei que um deles ao aperceber-se que era eu, encolheu os seus ombros olhou para o chão a memorar baixinho consigo: para que vem chatear-me se não me trás nada… Sem me desmanchar cumprimentei-o e o senhor com boa educação lá me atendeu: bom dia com um sorriso forçado…
          Em contrapartida um dia deram-me a tarefa de visitar o “Carlinhos da Sé”, no Barredo, uma figura típica da cidade, um senhor que tinha uma doença genética, problema que hoje seria resolvido com uma operação e mudança de sexo. Bom, o agradável dessa visita, sem levar a saca de alimentos o “Carlinhos da Sé”, ficou feliz contou-me a sua estória da sua saúde, desabafou que não tinha culpa de ser assim, chorou da sua má sorte da sua vida, mas compensou-me esta visita, este senhor, sem pedir nada recebeu-me de braços aberto para conversar comigo. Estava ali a verdade da chamada Caridade.
          Hoje como Vicentino da minha Conferência, já nos tempos de “fartura” visito um casal e a minha preocupação com eles e a promoção por uma vida melhor. Estou atento, aos movimentos de forma a que um dia possa dizer que a partir dessa altura consiga… com vontade dos próprios, devolver alguma dignidade e respeito que eles merecem e que possam não estar dependentes do pouco que lhe damos que, passem a ser homens e mulheres com direito e deveres a serem olhados como pessoas importantes e independentes. Não é fácil pois é uma família com alguma falta escolaridade, de recursos e falta de empregos; quatro adultos.

          Agora, nesta altura a minha caminhada foi mudando com mais responsabilidades pelas tarefas que exerço num conselho. Escolhi partilhar a pensar contribuir para que os meus caríssimos confrades, também, nos tempos de férias que se aproxima possam fazer uma paragem e pensar como vicentinos; «o que sou hoje como vicentino». São tarefas que estamos “Todos” comprometidos desde o nosso compromisso a Deus, à sociedade, aos pobres. O melhor e mais agradável no conselho é que eu tenho, uma equipa que trabalha comigo sempre disponível, com sentido pelos outros, pelo amor e com caridade que eu sinto a forma das suas decisões, é gratificante. “SVP é que tem a culpa disto tudo…”
          SVP não ficará certamente zangado comigo se lhe pedir um favor, mais um; que tenha paciência em me aturar e que também ajude todos os outros vicentinos.
          Hoje debate-se na sociedade o que andamos a fazer dizem; se calhar fazemos uma caridade assistencial, da saca de compras, do ir buscar às sedes. Poderemos ficar só com a distribuição das sacas, e desleixarmos com a visita ao domicilio distribuindo “Afetos”; ouvir, pensar, ajudar, sofrer com eles e dar ideias para que eles se possam libertar da sua condição dependência?... Hoje tenho insisto com escritos e com palavras para que os vicentinos façam o que S. Vicente de Paulo e Ozanam nos deixaram: A Visita Domiciliária.  
          Eu acredito que existe uma diferença como se faz e o modo como haja um vicentino na Caridade. No espirito do vicentino o serviço ao Pobre é dar-se no serviço de Deus, interagir com os pobres reconhecendo nas pessoas que tem habilidades físicas e mentais suficientes para sair das dificuldades.
          Recordo uma pequena passagem do filosofo, francês Fabrice Hadjad sobre a condição da mulher como mãe que do seu ventre tem um filho ele dizia: é preciso “Recolocar o Homem no Centro”. ele dizia uma Mãe, ama o seu filho ajudando-o, encaminha-o, tenta colocar o seu filho como homem e mulher no centro ensinando a tomar mais tarde as decisões, dando-lhes a dignidade de pessoa humana.

F.Teixeira      

  

quarta-feira, 21 de junho de 2017

O legado de Ozanam para os dias de hoje

      As Cartas de Ozanam foram os primeiros textos, além da Regra Vicentina, pelos quais tive a satisfação de conhecer o pensamento deste extraordinário e santo homem chamado António Frederico Ozanam, modelo de jovem, adulto, pai, profissional, marido, cidadão e fiel leigo comprometido.

      Em Cartas, Ozanam pode comunicar-se com liberdade e desenvoltura, dirigindo-se com simplicidade a seus amigos, conhecidos, parentes, religiosos e académicos. Até nas missivas de cunho profissional, encontramos o “tempero” das virtudes tão caras a Ozanam, sempre com elegância nas palavras, caridade no aconselhamento e esperança na mudança das estruturas sociais.

      Suas Cartas são estimulantes, reconfortantes, pedagógicas e, acima de tudo, verdadeiras orações. As frases que citamos, hoje em dia, mais expressivas de Ozanam, foram colhidas justamente das correspondências que ele escreveu. Que riqueza, que legado, que presente divino!

      Não podemos deixar de reconhecer o grande esforço literário que a família de Ozanam empreendeu para poder recolher os escritos dele, consolidando-se em livros. Sem essa investigação histórica, talvez hoje não pudéssemos saborear esse lindo conteúdo. Também não podia ser diferente: os ascendentes de Ozanam eram e literatos, assim como seus descendentes. Considero que o Espírito Santo, soprou forte sobre esta família, brindando-a com as características de perpetuação da memória e da transmissão do conhecimento. A humanidade agradece!

      As Cartas que Ozanam escreveu ao longo do século XIX são pérolas para nossa realidade. É como se ele tivesse deixado “sinais” para as gerações futuras sobre a maneira evangélica e caritativa de superar as dificuldades e ajudar àqueles que estão em situação de vulnerabilidade e de exclusão social. Ozanam, visionário e vanguardista, deixa para a posteridade suas Cartas e nos recomenda práticas adequadas para o mundo de hoje, tão maltratado pelo egoísmo, pela ganância, pelo poder e pelos holofotes da fama passageira.

      A leitura das Cartas de Ozanam nas Conferências Vicentinas é sempre propícia, especialmente quando celebramos a data do nascimento do principal fundador da sociedade de São Vicente de Paulo ou da criação da entidade. São datas memoráveis que não podemos passar em branco.

      Por fim gosto sempre de encerrar meus textos com algumas perguntas, para que nós, vicentinos do século XXI, possamos também refletir sobre a postura que adotamos, na condição de imitadores de Ozanam. Utilizamo-nos dos meios de comunicação, pessoais e coletivos, analógicos ou digitais, para disseminar a cultura da caridade? Usamos as redes sociais e a mídia para propagar a Boa Nova e libertar os oprimidos? Limitamo-nos a criticar o sistema económico e político, e não fazemos nada de concreto para alterá-lo o oferecer caminhos alternativos?

      Se Ozanam estivesse fisicamente entre nós, hoje, o que ele faria? Quantos e-mails (que são as “cartas virtuais” dos tempos presentes), não teria ele enviado aos quatro cantos do mundo para defender e proteger os mais necessitados? Somos vicentinos e, portanto, temos que ser “espelho” de Ozanam, usando especialmente as novas tecnologias a serviço dos Pobres.

      
Cronicas vicentinas de Renato Lima, Cgi

A pobreza da ingratidão e o diploma da santidade

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       Um dos sentimentos mais dolorosos que uma pessoa pode vivenciar é a ingratidão. Muito mais que a ira ou o desamor, a ingratidão é como um ácido que corrói profundamente por dentro, afectando o coração do individuo que sofreu tal dissabor: Porém, como vicentinos que somos, ao buscarmos a santidade, temos que estar acima desse sentimento nocivo, que às vezes percebemos no momento da visita, no relacionamento com as famílias assistidas e até no seio da nossa entidade.
      Certa vez, um Conferência, por ocasião do Dia das Mães, decidiu doar Kits de cremes para embelezar as mães assistidas. Grande foi a surpresa quando nem todas as senhoras beneficiadas disseram uma palavra de agradecimento, como por exemplo: “muito obrigada!”. Nem um sorriso, nem uma demonstração de afecto. Na verdade, são pessoas sofridas, que nem sempre têm forças ou ânimo para a vida; mas daí demonstrar tamanha indiferença, é uma dor muito forte para quem proporcionou aquele gesto genuíno de caridade.
      O próprio Jesus Cristo também “reclamou” dos ingratos. Ele mesmo, que era Deus, após curar dez leprosos, indagou porque apenas um havia regressado para agradecer. E Jesus perguntou: “Onde estão os outros nove?” (Lucas 17,17). Na caminhada vicentina, muitos “leprosos” passarão por nós, mas poucos serão agradecidos. É bem verdade que fazemos esse trabalho de caridade sem buscar reconhecimento ou gratidão; tais sentimentos são humanos e fazem parte da educação das pessoas. O que pode nos consolar, um pouco, é que uma pessoa ingrata é também vítima do problema, pois não teve acesso à cultura.
      Ser grato a uma pessoa pode ser algo tão simples para muitos, especialmente àqueles que tive acesso à educação e nasceram numa família que lhes ensinou valores, princípios e posturas socias. É bem verdade que boa parte dos socorridos de nossas Conferências não possui essas características. É por isso que, juntamente com as cestas de alimentos e outros bens materiais, os vicentinos devem levar “exemplos”, “conselhos”, “orientações” e, acima de tudo, “ensinamentos”. Tudo o que dissermos de valores e virtuoso a um assistido produzirá frutos no futuro.
      Contudo, uma certeza pode-se ter: da mesma maneira que Jesus ofereceu a “outra face” a quem lhe quisesse machucar (Mateus 5,39), a ingratidão com que, às vezes, estamos sujeitos (pelos assistidos, por alguns representantes da Igreja e pelos próprios companheiros de caminhada vicentina), será a chave para abrirmos as portas do paraíso. Essa ingratidão nos condecorará com um “diploma invisível de santidade”, que São Vicente e Ozanam nos entregará quando estivermos entrando nos céus, um dia.

      Qual é o pior defeito do ser humano? – Como podemos lidar com essa situação nos trabalhos vicentinos, especialmente junto aos assistidos? 


Cronicas vicentinas de Renato Lima do Cgi

segunda-feira, 12 de junho de 2017

A pobreza da ingratidão e o diploma da santidade


      Um dos sentimentos mais dolorosos que uma pessoa pode vivenciar é a ingratidão. Muito mais que a ira ou o desamor, a ingratidão é como um ácido que corrói profundamente por dentro, afectando o coração do individuo que sofreu tal dissabor: Porém, como vicentinos que somos, ao buscarmos a santidade, temos que estar acima desse sentimento nocivo, que às vezes percebemos no momento da visita, no relacionamento com as famílias assistidas e até no seio da nossa entidade.
      Certa vez, um Conferência, por ocasião do Dia das Mães, decidiu doar Kits de cremes para embelezar as mães assistidas. Grande foi a surpresa quando nem todas as senhoras beneficiadas disseram uma palavra de agradecimento, como por exemplo: “muito obrigada!”. Nem um sorriso, nem uma demonstração de afecto. Na verdade, são pessoas sofridas, que nem sempre têm forças ou ânimo para a vida; mas daí demonstrar tamanha indiferença, é uma dor muito forte para quem proporcionou aquele gesto genuíno de caridade.
      O próprio Jesus Cristo também “reclamou” dos ingratos. Ele mesmo, que era Deus, após curar dez leprosos, indagou porque apenas um havia regressado para agradecer. E Jesus perguntou: “Onde estão os outros nove?” (Lucas 17,17). Na caminhada vicentina, muitos “leprosos” passarão por nós, mas poucos serão agradecidos. É bem verdade que fazemos esse trabalho de caridade sem buscar reconhecimento ou gratidão; tais sentimentos são humanos e fazem parte da educação das pessoas. O que pode nos consolar, um pouco, é que uma pessoa ingrata é também vítima do problema, pois não teve acesso à cultura.
      Ser grato a uma pessoa pode ser algo tão simples para muitos, especialmente àqueles que tive acesso à educação e nasceram numa família que lhes ensinou valores, princípios e posturas socias. É bem verdade que boa parte dos socorridos de nossas Conferências não possui essas características. É por isso que, juntamente com as cestas de alimentos e outros bens materiais, os vicentinos devem levar “exemplos”, “conselhos”, “orientações” e, acima de tudo, “ensinamentos”. Tudo o que dissermos de valores e virtuoso a um assistido produzirá frutos no futuro.
      Contudo, uma certeza pode-se ter: da mesma maneira que Jesus ofereceu a “outra face” a quem lhe quisesse machucar (Mateus 5,39), a ingratidão com que, às vezes, estamos sujeitos (pelos assistidos, por alguns representantes da Igreja e pelos próprios companheiros de caminhada vicentina), será a chave para abrirmos as portas do paraíso. Essa ingratidão nos condecorará com um “diploma invisível de santidade”, que São Vicente e Ozanam nos entregará quando estivermos entrando nos céus, um dia.
      Qual é o pior defeito do ser humano? – Como podemos lidar com essa situação nos trabalhos vicentinos, especialmente junto aos assistidos?

Crónicas Vicentinas IV Cgi. Renato Lima 

sexta-feira, 17 de março de 2017

5 Virtudes de Espiritualidade Vicentina

Convido a todos quantos visitam este blog para se colocarem dispostos à reflexão e penitencial quaresmal tendo como ponto de partida as 5 Virtudes Espirituais. As virtudes assenta em cinco temas:«SIMPLICIDADE - HUMILDADE - MANSIDÃO - MORTIFICAÇÃO - ZELO APOSTÓLICO»
Tem como apoios aos temas em cada um, 5 Eixo e 5 Dimensões, que se dividem em:  Humana - Espiritual - Intelectual - Comunitária e Apostólica. Como o texto é um pouco longa, aconselho a ler em cinco parte.

Boas reflexões


1.     SIMPLICIDADE


A virtude da Simplicidade educa-nos na capacidade de desenvolver os valores da verdade, da sinceridade, da transparência. Viver plenamente a simplicidade nos ajudará a evitar ser falsos uns com os outros e muito menos com o povo; por esta virtude somos chamados a ser simples, a dizer as coisas como são, sempre com sinceridade em relação à outra pessoa.
Diante dos desafios que o pluralismo de ideias e de valores e contravalores que a sociedade capitalista nos impõe, precisamos ficar mais atentos em relação à nossa postura junto ao povo e o cultivo de valores que não são transitórios, mas base para a vida com dignidade. Um desses valores é o cultivo da simplicidade. O povo ao qual procuramos evangelizar se aproximará de nós mediante nossa postura diante dele. A simplicidade impregnada em nossos atos possibilitará essa pedagógica aproximação do povo mais simples a nós e vice-versa.
O próprio São Vicente definiu na sua vivência a importância desta virtude na vida de um vicentino: “A simplicidade é a virtude que mais amo, eu a chamo de meu evangelho” (SV I,284).
a  a.    Eixo Vicentino: A vivência da Virtude da Simplicidade educa-nos para a proximidade do mundo dos pobres na realidade de hoje em seu universo socioeconómico, cultural, religioso, geográfico; tal aproximação coloca-nos em clima de disponibilidade para acolhermos e nos aproximarmos do diferente, da compreensão do pluralismo no meio da humanidade, favorecendo-nos em nossa missão de instrumentos da universalidade da salvação inaugurada por Jesus de Nazaré em sua práxis libertadora.


b.Dimensão Humana: A vivência da Virtude da Simplicidade no concernente à dimensão humana leva-nos ao tratamento da pessoa com o devido cuidado e atenção que ela merece, o que favorece à mesma sentir-se saudável psíquica e fisicamente, pois sentir-se uma pessoa amada no seio de uma comunidade e em meio à sociedade produz um aspeto profundamente agradável no sentimento da autoestima. A simplicidade no nosso viver vicentino leva-nos a quebrar barreiras na convivência com os mais pobres, proporcionando-nos maior aproximação ao seu universo de vida, levando-nos a contribuir no processo de sua própria educação, visando a integralidade da sua própria pessoa.

c   c.     Dimensão Espiritual: A experiência da Simplicidade na vida exige de cada um de nós uma busca saudável do equilíbrio entre trabalho e descanso recreativo. A Espiritualidade vicentina necessita de uma forte experiência de Deus para que possamos irradiá-la no serviço aos pobres. Consequentemente, nossa inserção no mundo dos pobres a partir do cerne da nossa Espiritualidade, exige-nos a clara consciência de que fazemos este esforço não por meras motivações, mas pela convicção de estarmos contribuindo qualitativamente na construção do Reino de Deus aqui e agora.


   d.    Dimensão Intelectual: A procura da vivência da Simplicidade no meio dos pobres traz-nos também uma exigência no aspeto intelectual; para que a nossa ação de aproximação ao mundo dos pobres seja sinal de transformação profética, precisamos investir em nossa própria formação inicial e permanente, motivados pelo ideal da compreensão das causas da pobreza para atacá-las com precisão. Para essa formação permanente acontecer precisamos de motivações internas e externas, lembrando que a sociedade atual, por si mesma, já nos faz essa exigência, pois torna-se, progressivamente, mais pluralista e complexa. Neste sentido, trabalhar com os pobres no nosso contexto atual exige de nós busca constante de preparação intelectual justamente pelo respeito que devemos ter à dignidade de todo ser humano. E o empobrecido não é um ser menos humano.

   e.    Dimensão Comunitária: Vivenciar a virtude da Simplicidade no concernente à dimensão comunitária exige colocarmo-nos na escola do Evangelho e também de São Vicente, para aprendermos sempre a alegria de partilhar com os irmãos na fé, sobretudo os mais empobrecidos da nossa história o saber, os bens, os dons e a vida. Nossa presença no meio do povo é sempre uma experiência de troca de saberes em todas as dimensões da vida.


  f.     Dimensão Apostólica: Cultivar a Simplicidade em nossas comunidades apostólicas compromete-nos a interiorizar progressivamente o valor de distribuir responsabilidades com os irmãos de fé, lembrando-nos que um dos aspetos da nossa vivência comunitária vicentina é alimentar nossa espiritualidade para um autêntico testemunho missionário no meio dos pobres do nosso tempo. Uma de nossas máximas é esta: Vida em comunidade para a Missão.

Finalizando nossa reflexão sobre a virtude da Simplicidade, vejamos uma belíssima descrição do próprio Vicente de Paulo sobre esta máxima evangélica: “Deus é simples. Onde encontrares a simplicidade cristã caminharás seguro; pelo contrário, os que recorrem a precauções e artimanhas estão num medo contínuo de que descubram seu artifício e que, ao se ver surpreendido em sua falsidade, ninguém quer ter confiança neles.

Da minha parte, posso afirmar, uma grande experiência me demonstrou, para minha satisfação que uma fé vigorosa e um verdadeiro espírito de religião encontram-se frequentemente entre as pessoas simples e pobres. Deus se compraz em enriquecê-las com uma fé viva: eles creem, apalpam, saboreiam as palavras de vida eterna que Cristo nos deixou em seu evangelho. Em geral, suportam pacientemente suas enfermidades, aflições e necessidades, sem nunca se queixarem ou murmurar.
Todo mundo sente atração por pessoas que são simples e cândidas, pessoas que se recusam a empregar a astúcia, os enganos. São populares, porque agem ingenuamente e falam com sinceridade; seus lábios estão de acordo com seus corações. São amadas e estimadas em toda parte…”(SV XI, 740s, 462).
2.     HUMILDADE

São Vicente de Paulo define a Humildade como a virtude que dá a característica essencial à missão na Pequena Companhia. A humildade é a virtude que nos torna capazes de reconhecer e admitir nossas fraquezas e limitações, criando assim a possibilidade de confiar mais em Deus e menos em nós mesmos. A humildade ajuda-nos a nos livrarmos da nossa autossuficiência, a reconhecermos nossa dependência do amor do Criador e nossa interdependência comunitária. Ao mesmo tempo, a humildade nos capacita para reconhecer nossos talentos, talentos que devem ser postos a serviço das outras pessoas. É a virtude que permite aos pobres aproximar-se de nós. É a virtude que nos ajuda a ver que todos somos iguais aos olhos de Deus. A vivência desta virtude educa-nos e capacita-nos, em contrapartida, para aproximar-nos progressivamente dos Pobres. Esta virtude nos impulsiona a um processo contínuo de inculturação no mundo dos pobres, encorajando-nos a um esforço de identificação com os mesmos.
Diante de uma sociedade tremendamente hedonista, individualista, separatista, perfeccionista do ponto de vista da aparência física em detrimento do cuidado integral do ser, a vivência da humildade se torna mais desafiadora, pois exige-nos maior sociabilidade a partir de dentro do nosso próprio lar, nosso grupo de convívio.
a.    Eixo Vicentino: A humildade, segundo São Vicente, é a virtude eminentemente evangélica. Jesus é o único mestre. Na conferência de 18 de abril de 1659, São Vicente se perguntou: “Em que consiste a humildade?” E respondeu: “Em querer o desprezo, em desejar a humilhação, em alegrar-se quando nos vemos humilhados, por amor a Jesus Cristo”. (SV XI, 488) A humildade faz-nos criar um sentido de pertença a um objetivo comum. Quando estamos dispostos a formar comunidade, construir unidade, nos entusiasmamos em trabalhar com objetivos comuns, somos capazes de nos doar, propor, aceitar e reconhecer como comunidade em vista da missão de evangelizar comunitariamente os pobres.

b.    Dimensão Humana: A virtude da humildade nos educa para a tolerância dialogada. Torna-se condição necessária para desenvolvermos, crescermos e fortalecermos como pessoas em comunidade, em sociedade de vida apostólica, como atitude que nos leva a reconhecer que todos necessitamos do outro para enriquecermos e superar nossas próprias dificuldades e individualidades. A abertura ao diálogo, o respeito, a atitude de compartilhar, a capacidade de escutar, de falar e de agradecer podem ser formas muito atuais da virtude da humildade.


c.     Dimensão Espiritual:. Reconhecer que somos redimidos pelo Ressuscitado. A humildade nos faz ver que o ser humano é pecador e o sensibiliza perante o pecado. A atitude de nos reconhecer pecadores perdoados pelo sangue de Cristo nos responsabiliza a reconhecer que nossa vida se enriquece e fortalece com o perdão; o perdão implica aceitação, e para aceitar é necessário sair de nós mesmos, esvaziarmos de nós mesmos, dar um passo na direção do outro, quebrar nossas arestas, derrubar muros, construir pontes.

d.    Dimensão Intelectual:. Reconhecer que somos pessoas limitadas, interdependentes, complementares. Temos opiniões diferentes diante da realidade que nos cerca e por isso mesmo a vivência da virtude da humildade nos faz constatar que é necessário estar dispostos à escuta dos outros e à reflexão, para juntos construir o caminho do discernimento coerente ao clamor da realidade.

e.    Dimensão Comunitária: A virtude da humildade nos faz conscientes de nossas limitações e nos capacita para a aceitação da colaboração do outro em vista da missão. A atividade missionária corre sempre o risco de ser dominadora e autossuficiente, de encerrar-se nas próprias ideias e métodos, de negar a colaboração do outro e da outra. A humildade faz com que o missionário, ao mesmo tempo que evangeliza, se deixe evangelizar e que pregue não sua palavra, mas a Palavra de Deus, assegurada pelo magistério da Igreja.

 f.    Dimensão Apostólica: A virtude da humildade nos impulsiona a posicionarmos diante da missão apostólica não como donos de determinada situação, mas como seres que estão dispostos a somar nossas qualidades e dons, simplesmente como colaboradores. Isso requer um processo de conversão onde cada um coloca o seu ser e faz o maior esforço para suscitar a mudança pessoal e estrutural, na sã consciência de que o único indispensável é a presença de Deus. Tudo o mais é transitório, instrumental para a eficácia da construção do Reino de Deus.
Concluindo a reflexão sobre a virtude da humildade, lançamos mão de palavras do próprio São Vicente em seus magníficos escritos, destacando sua dimensão missionário-pastoral. Vejamos: “Entendei bem isto, meus senhores e meus irmãos: nunca poderemos fazer a obra de Deus se não tivermos uma profunda humildade e uma humildade de opinião sobre nós mesmos. Não, se a Companhia da Missão não é humilde, se não tem a fé e a convicção de que não pode fazer o bem, que é mais apta para atrapalhá-lo, nunca realizará nada de grande; mas quando tem e vive o espírito do que acabo de dizer, então, ficai seguros, senhores, estará capacitada para fazer a obra de Deus, porque Deus usa de seus membros para suas grandes obras” (SV IX, 71, 284,809).
3.     MANSIDÃO

Etimologicamente, mansidão vem de “mansuetude” e manso de “mansus”, forma do latim vulgar de “mansuetus”. Tem um significado de comportamento aconchegante, familiar, doméstico. Conceitualmente, a mansidão se entende como a força, a virtude, que permite a pessoa moderar razoavelmente sua ira e indignação. A razoável indignação pode ser com frequência sã e saudável, transposição lícita da sobrecarga psicológica a um ato de zelo pela glória de Deus, pela justiça ou pelo bem do próximo. A mansidão não é agressiva, raivosa, barulhenta. Certamente é uma virtude chave na comunidade. É a virtude que ajuda a construir a confiança de uns nos outros, porque, quando somos amáveis, os que são tímidos se abrirão em relação a nós. Por estas razões podemos dizer que a mansidão é a virtude por demais vocacional, como constatou o próprio São Vicente: “Se não se pode ganhar uma pessoa pela amabilidade e pela paciência, será difícil consegui-lo de outra maneira ”(SV VII, 226).
A mansidão inspira um trato suave, agradável, educado, e fundamenta a tolerância, valor este muito importante para a convivência em uma sociedade plural em que o respeito à pessoa e à sua liberdade deve ser uma lei indiscutível.
a.    Eixo Vicentino: Com certeza, todas as virtudes contribuem para o dinamismo da vida comunitária em vista da missão. Todas as virtudes trazem em seu bojo um aspeto construtivo da vivência comunitária, porém é evidente que a mansidão entra em jogo por seus próprios valores e porque a comunidade se faz mediante relações plenas de conteúdo humano, cristão e vicentino. Devem ser expressões de pessoas que se estimam, se querem e se entreajudam. Toda atitude dura, de rechaço, de desprezo, pode ser superada precisamente pela prática da mansidão.

b.    Dimensão Humana: A vivência da mansidão no aspeto humanitário ajuda-nos no processo da aceitação e compreensão da cultura do outro, nos colocando num processo de crescimento junto ao diferente, abrindo-nos à dinâmica da inculturação, educando-nos no processo da complementaridade. No trabalho junto aos mais pobres essa abertura é essencial para uma autêntica inserção popular.


c.     Dimensão Espiritual: Viver a virtude da mansidão no aspeto espiritual compromete-nos a inspirarmos na mansidão divina para com o seu povo na caminhada da história da salvação. Remete-nos à práxis da paciência histórica mediante a atitude do Criador para com as suas criaturas. Sem dúvida, um tema relacionado com a mansidão é o da hospitalidade, que é uma característica que deve distinguir um Vicentino: uma pessoa acolhedora; uma pessoa que está atenta às necessidades dos outros, especialmente dos marginalizados e transeuntes.

d.    Dimensão Intelectual: A mansidão causa a paz e cria melhores condições para o discernimento. A importância que tem, moral e espiritualmente falando, o cultivo da mansidão, é que livremente, permite-nos ver a importância da paz interior e exterior como condições para um bom discernimento. Se não há paz interior, tranquilidade e serenidade, a opção sempre é suspeitoso e moralmente imperfeita. Portanto, a mansidão é uma ferramenta que nos ajuda a buscar e defender a verdade, favorece a busca incansável do discernimento no serviço aos pobres.


e.    Dimensão Comunitária: A vida em comum, se não está animada pela mansidão, se torna insuportável. É evidente que é difícil conviver com pessoas irritáveis e duras. A condescendência pode ser uma expressão indubitável de mansidão. São Vicente disse o seguinte sobre a condescendência: “Em uma comunidade, é necessário que todos os que a compõem e que são como seus membros sejam condescendentes uns com os outros. Com esta disposição, os sábios têm que condescender com a debilidade dos ignorantes, nas coisas em que não há erro e nem pecado. Os prudentes e sábios devem condescender com os humildes e simples. E com esta mesma condescendência, não só temos de aprovar os pareceres dos demais nas coisas boas e indiferentes, senão incluso preferirmos aos nossos, crendo que os demais têm luzes e qualidades naturais e sobrenaturais maiores e mais excelentes do que nós. Porém temos de evitar muita condescendência com os outros em coisas más, pois isto não seria virtude, senão um defeito, que proviria da libertinagem de espírito, ou de nossa covardia e pusilanimidade” (SV XI,758).

f.     Dimensão Apostólica: A apostolicidade da virtude da mansidão consiste basicamente em centrar nossas pregações no discernimento da procura da justiça e da paz que brotam da Palavra de Deus. Neste sentido, convém estar convictos de que nossas atitudes de bondade e coerência convencem muito mais as pessoas do que sermões, muitas vezes carregados de sentimentos contraditórios e moralismos exagerados. Nossas atitudes evangelizam mais que nossas palavras. Por isso mesmo, elas necessitam estar imbuídas da sensibilidade social na defesa incondicional dos direitos da pessoa humana, sobretudo dos mais pobres e excluídos.
No final desta reflexão sobre a virtude da Mansidão, vejamos mais algumas palavras do mestre Vicente de Paulo: “Não há pessoas mais constantes e firmes no bem que aqueles que são mansos e pacíficos; pelo contrário, os que se deixam levar pela cólera e pelas paixões são geralmente muito inconstantes, porque agem por impulsos e ímpetos. São como as correntezas que só têm força e impetuosidade nas chuvas, mas secam logo depois de ter passado o temporal, enquanto os rios que representam as pessoas pacíficas caminham sem ruído, com tranquilidade, sem jamais secar” (SV XI, 752).
4.      MORTIFICAÇÃO

Por esta virtude somos interpelados a morrer para nós mesmos. É a virtude que pede que nos entreguemos totalmente, pensemos primeiro nos outros, pensemos especialmente nos Pobres antes de pensar em nós mesmos. Esta virtude educa-nos para o altruísmo em detrimento do nosso egocentrismo.
Assim nos diz São Vicente: “Os santos são santos porque seguem as pegadas de Jesus Cristo, renunciam a si mesmos e se mortificam em todas as coisas” (SV XII, 227).
a.    Eixo Vicentino: Em tempos de busca de refundação da Vida Consagrada, urge-nos enquanto vicentinos aprofundar o carisma que nos identifica no mundo e retomar nossas tradições fundantes, bem como nossas constituições, nossos bons costumes como alimentos sólidos em vista de um testemunho mais autêntico na humanidade hodierna.

b.    Dimensão Humana: Embora nosso tipo de trabalho seja diverso do que a maioria da população, cabe-nos saber utilizar bem o nosso tempo e os meios que temos em nossas mãos em vista da nossa missão junto às pessoas. Em respeito e solidariedade ao trabalho duro das pessoas para sobreviver temos o dever moral de fazer bom uso de tudo o que dispomos. É preciso que utilizemos o tempo responsavelmente.


c.     Dimensão Espiritual: A oração pessoal e comunitária é uma fonte irrenunciável para um autêntico vicentino, por isso mesmo foi insistentemente recomendada por São Vicente. É muito importante rezar de modo disciplinado, dar à oração seu tempo, compartilhar com os irmãos sua espiritualidade, fazer dos sacramentos um alimento para a vida missionária.

d.    Dimensão Intelectual: Em contrapartida ao consumismo desenfreado da sociedade, é saudável viver a sobriedade diante do uso das coisas, levar um estilo de vida simples, educarmos numa vida ascética, por mais difícil que seja. Para conseguirmos dar passos neste sentido, é profundamente necessário que utilizemos em tudo o senso crítico dentro de uma corresponsabilidade evangélica.


e.    Dimensão Comunitária: A vivência comunitária exige-nos, progressivamente, profunda sensibilidade evangélica. Por sermos irmãos no Senhor, é de se supor que sempre nos sentiremos mais próximos uns dos outros. Portanto, que nossas amizades não sejam exclusivas nem excludentes. Hoje todos somos chamados a participar no processo de tomada de decisões e a viver uma obediência responsável. Interpela-nos expressar nossas opiniões. Isto gasta muito tempo e, às vezes, é penoso. Por isso mesmo é para alguns uma grande mortificação.

f.     Dimensão apostólica: Entendendo por mortificação renunciar a comodidades para nos doarmos para que o outro tenha mais vida, cabe-nos estar dispostos para responder às necessidades da própria comunidade e às do povo de Deus, sobretudo aceitando as mudanças de local geográfico e social, vendo nesta dinâmica de vida apostólica os apelos do Deus da Vida. Todos nós somos dotados de muitas qualidades e talentos. Colocá-los a serviço é sempre uma virtude. A apostolicidade da virtude da mortificação nos impulsiona a estarmos sempre abertos ao inesperado, pois com frequência somos interpelados a responder a novas situações, e isso extrai de nosso interior recursos pessoais que nem sabíamos que possuímos. Portanto, a abertura ao novo é profundamente necessária na espiritualidade vicentina. Bebamos mais um pouco na fonte de Vicente de Paulo sobre a virtude da Mortificação: “Somos firmes em resistir à natureza, pois se permitimos que alguma vez se cole em nós um pé, se meterá até quatro. E estamos seguros de que a medida de nosso progresso na vida espiritual está em nosso progresso na virtude da mortificação, que é especialmente necessária para os que hão de trabalhar na salvação das almas, pois é inútil que preguemos a penitência aos demais, se nós estamos vazios dela e se não a demonstramos em nossas ações e modo de nos comportar” (SV XI, 758-759).


5.     ZELO APOSTÓLICO

Podemos identificar o zelo apostólico com paixão pela humanidade. O zelo é a consequência de um coração verdadeiramente compassivo. Trata-se da paixão por Cristo, paixão pela humanidade e paixão especialmente pelo Pobre. O zelo é uma virtude verdadeiramente missionária. Expressa-se em forma de disponibilidade, de disposição para o serviço e a evangelização, mesmo quando as forças físicas já estão decadentes.
Assim sendo relacionado com o zelo está o entusiasmo, que leva à ação. Podemos entender o zelo como uma expressão concreta do amor efetivo, que é motivado pela compaixão, ou amor afetivo.
a.    Eixo Vicentino: O zelo é a quinta virtude característica e mais própria do missionário vicentino. O próprio São Vicente assim qualifica o “zelo pelas almas”: “Se o amor de Deus é um fogo, o zelo é sua chama. Se o amor é um sol, o zelo é o seu raio” (SV XII, 307-308). O Zelo Apostólico é o amor pela missão que dura a vida inteira. Vicente de Paulo trabalhou com constância até o final de sua vida. O Zelo é, pois, e antes de tudo, entusiasmo, e entusiasmo significa cheio de Deus, plenitude de Deus.

b.    Dimensão Humana: Zelo é amor ardente, uma disponibilidade para ir em qualquer lugar para falar de Jesus Cristo, ainda que em circunstâncias difíceis; disponibilidade para morrer por Ele. O testemunho do zelo apostólico inclui não só um profundo amor afetivo pelo Senhor e por seu povo, mas também deve se expressar no amor efetivo e no sacrifício. Para bem e melhor servir ao povo a nós confiado torna-se necessário o devido cuidado com nossa saúde e o equilíbrio do nosso ser.

c.     Dimensão Espiritual: O Zelo cria a disponibilidade de ir a todo o mundo levar, como Jesus Cristo e os apóstolos esse fogo de amor e de temor de Deus. O Zelo fortalece, aumenta a capacidade de trabalhar, capacita para sofrer tudo pela glória de Deus e salvação do próximo. O Zelo atualiza o comportamento do missionário, aceitando as exigências da Nova Evangelização: novos conteúdos, novas expressões, um novo ardor que não é outra coisa que a atualização do zelo apostólico ou da caridade apostólica. Para esta finalidade precisamos de uma sólida espiritualidade vicentina.


d.    Dimensão Intelectual: Zelo é amor fiel e perseverante. É fácil amar durante algum tempo. Mas amar durante toda a vida é mais difícil. Assumir compromissos permanentes é hoje mais difícil do que foi no século XVII, sobretudo porque muitos dos apoios sociais que ajudavam a sustentá-los naquele tempo, hoje desapareceram.

O Zelo hoje se manifesta como fidelidade. Ouro provado no fogo. Exige-nos encontrar criativamente novas maneiras de amar, apesar das mudanças bruscas. Como afirmava São Vicente: “O amor é inventivo até o infinito” (SV XI, 65).
O Zelo leva o missionário a adaptar-se e encontrar novas formas de servir aos pobres, apelando à capacitação profissional e especialmente através da formação permanente. Assim nos tornamos mais efetivos perante um mundo mais exigente.
e.    Dimensão Comunitária: Demonstra-se Zelo com o desejo de conseguir operários para a messe. Com o entusiasmo em comunicar a Palavra pela convivência agradável dentro e fora da comunidade interna. O amor é contagioso. O fogo se propaga. Um amor ardente busca se comunicar aos outros, atrai todos à mesma maravilhosa missão com que se está comprometido. O Zelo nos leva a compartilhar com alegria com outras pessoas, aproveitando os espaços formais e informais. O Zelo é amor fiel e perseverante.

f.     Dimensão Apostólica: O Zelo indiscreto se mostra hoje com o trabalho excessivo, muitas vezes sem critérios equilibrados. Hoje é tão importante como no tempo de São Vicente, o conhecer nossas limitações, aceitar nossa condição de seres criados, o desenvolver um estilo de vida equilibrado que inclui o descanso suficiente e o tempo de lazer. Também é importante manter-se em boa condição física para ter a energia que caracteriza o zelo. A ética do cuidado aplica-se interinamente ao nosso ser por causa da missão.
Outro aspeto da dimensão apostólica do Zelo é a busca de assumirmos responsabilidades compartilhadas, trabalho em equipe, decisões colegiadas. Esse caráter educa-nos para a valorização dos ministérios em suas múltiplas modalidades apostólicas e teologais.
     Enriqueçamos nossa visão sobre o Zelo Apostólico com palavras inquietantes de Vicente de Paulo: “Buscamos a sombra, não nos gosta de sair ao sol. Não goste tanto da comodidade! Na missão, pelo menos, estamos na igreja, a coberto das injúrias do tempo, do ardor do sol, da chuva, ao que estão expostas essas pobres gentes. E gritamos pedindo ajuda quando nos dão um pouquinho mais de ocupação que do ordinário! Meu quarto, meus livros, minha missa! Está bem! É ser missionário, ter todas as comodidades? Deus é nosso provedor e atende todas nossas necessidades e algo mais, nos dá o suficiente e algo mais. Não sei se nos preocupamos muito de agradecê-lo. Vivemos do patrimônio de Jesus Cristo, do suor dos pobres” (SV XI, 120-121).
Palavras Conclusivas:

As virtudes características nos ajudam a permanecer fortes diante de qualquer obstáculo que nos dificulte viver plenamente a vocação a que fomos chamados. Como sabemos, as virtudes características são aqueles valores evangélicos que São Vicente contemplava, de modo especial em Jesus Cristo. São virtudes de que sentiu necessidade e, ainda mais, que se esforçou por viver, compreender e por em prática durante toda a sua vida.

Façamos da oração de São Vicente para pedir o Zelo, nossa súplica missionária: “Ó Salvador, ó meu bom Salvador, apraza à vossa divina bondade livrar a Missão deste espírito de ociosidade, de busca das próprias comodidades e dar-lhe um zelo ardente por vossa glória, que faça abraçar tudo com alegria e que nunca a deixe recusar uma ocasião de vos servir ”(Repetição de Oração de 24 de julho de 1655).